Documentos contrariam versão do Ministério da Justiça sobre reuniões com mulher de líder do CV
- Jason Lagos
- 15 de nov. de 2023
- 3 min de leitura

A advogada responsável por agendar com o Ministério da Justiça a realização de audiências de que participou a mulher do líder do Comando Vermelho recebeu pagamentos da facção criminosa, conforme recibos bancários obtidos pelo Estadão.
Janira Rocha é ex-deputada estadual pelo PSOL no Rio de Janeiro e foi quem levou Luciane Barbosa Farias, a “dama do tráfico amazonense” ao MJ, segundo a própria pasta.
O nome de Luciane não aparece na agenda do ministério – apenas o de Janira. Ontem, o ministério comandado por Flávio Dino disse que não tinha como saber da relação com o CV porque quem pediu a audiência foi Janira. Portanto, não havia prévio conhecimento da presença de Luciane na reunião. Os documentos mostram, porém, que Janira também é ligada à facção.
Recibos apreendidos pela Polícia Civil amazonense (PC-AM) no celular de uma integrante da facção mostram três transferências do “contador”do grupo para a conta de Janira em um único dia, totalizando R$ 23.654,00.
Os pagamentos aconteceram dias antes da primeira reunião de Luciane Barbosa Farias, a “dama do tráfico amazonense”, com o secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Elias Vaz, em março deste ano. O encontro foi solicitado por Janira, segundo o próprio secretário de Flávio Dino.
Os recibos constam em relatório sigiloso da Polícia Civil do Amazonas obtido pela reportagem. Os pagamentos foram feitos por Alexsandro B. Fonseca, conhecido como “Brutinho” ou “Brutus”. Segundo a PC-AM, ele era uma “espécie de contador da facção criminosa, responsável pela contabilidade da ‘caixinha’ (contribuição dos faccionados)”.
Seria também o tesoureiro do CV nos municípios de Parintins, Nhamundá e Carauari. Os pagamentos foram feitos nos valores de R$ 3 mil, R$ 5.645,00 e R$ 15 mil. O nome completo e o CPF de Janira aparecem nos comprovantes.
Há ainda recibos dos pagamentos para a ONG Liberdade do Amazonas, criada para, supostamente, defender os direitos humanos dos presos. A presidente da entidade é justamente Luciane, esposa de Clemilson dos Santos Farias, conhecido como Tio Patinhas, um dos líderes do Comando Vermelho no Estado, hoje preso em Tefé (AM).
No caso da ONG de Luciane, a contabilidade do CV do Amazonas registra despesas de R$ 22,5 mil para o mês de fevereiro, indicando que a entidade é, na verdade, sustentada pelo CV. “Aluguel da Casa R$ 1.500,00″; “salário advogadas R$ 7.200,00″ e “salário funcionários R$ 9.000,00″ são as principais despesas.
Há ainda registros de transferências de R$ 12.562,00 e R$ 10.000,00 para a entidade, novamente feitas por Alexsandro Fonseca. Neste caso, os pagamentos estão datados do dia 21 de fevereiro.
Luciane e sua equipe da Liberdade do Amazonas estiveram em ao menos duas ocasiões no Ministério da Justiça. No dia 19 de março, foi recebida por Elias Vaz; e no dia 02 de maio, esteve com o titular da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) do MJ, Rafael Velasco.
Todas as ações do governo para a área prisional passam pela secretaria de Velasco, que já trabalhava com este tema nos governos do ministro da Justiça, Flávio Dino, no Maranhão.
Na visita de maio, Luciane também se reuniu com Paula Cristina da Silva Godoy, da Ouvidoria Nacional de Políticas Penais (Onasp) e Sandro Abel Sousa Barradas, que é Diretor de Inteligência Penitenciária da Senappen.
Janira Rocha foi eleita deputada estadual em 2010 pelo PSOL do Rio de Janeiro. Ela também concorreu ao mesmo cargo nos pleitos de 2006 e 2014, mas não teve votos suficientes.
Em 2021, foi condenada em primeira instância na Justiça por contratar funcionários fantasmas e obrigado servidores de seu gabinete a devolverem parte dos salários durante seu mandato, de 2011 a 2014.
Janira também foi diretora de Relações Institucionais do Instituto Anjos da Liberdade, uma outra ONG que também é acusada de servir de fachada do Comando Vermelho. A fundadora da Anjos da Liberdade é a advogada Flávia Fróes, conhecida por defender líderes de facções como Marcinho VP e Fernandinho Beira-Mar.
Fróes é investigada pela Polícia Federal (PF) por ter pedido dinheiro para chefes de facções criminosas para financiar sua campanha a deputada federal nas últimas eleições. A corporação também apura se a advogada comprou uma BMW por R$ 280 mil no período eleitoral.




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